sábado, 29 de outubro de 2011

Desmitificando o Estado e o Direito em Michel Foucault

Palestrante José Manuel de Sacadura Rocha, professor na graduação e pos-graduação de Filosofia, Ética, Sociologia. Mestre em Administração pelo Centro Universitário Ibero-americano. Autor de diversas obras, entre as quais, Ética Jurídica -- Para uma Filosofia Ética do Direito, pela Editora Campus Elsevier.
Objetivo: Apresentar o pensamento de Michel Foucault quando aplicado ao jurídico. Fazer percurso exaustivo pela vasta obra do autor, focando a lei como instrumento de conformação nas sociedades disciplinares e de controle. Discutir o saber jurídico, o jurídico como órgão de adequação de vontades e apresenta os caminhos de emancipação em meio aos "jogos de poder". O Estado e o Direito são parte dos instrumentos de controle social como micropoderes -- logística das energias produtivas humanas, os homens infames como funcionalidade social (criminal) no Estado de políticas públicas.

  

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

VII Colóquio Internacional Michel Foucault – PUC-SP.

24 a 27 de outubro de 2011.
O Mesmo e o Outro. 50 anos de História da Loucura (1961-2011).


Mas, para mim, 1961 continua e continuará sendo o ano em que se descobriu um verdadeiro grande filósofo. Eu já conhecia pelo menos dois que haviam sido meus colegas de estudos, Raymond Aron e Jean-Paul Sartre. Também não eram  indulgentes com relação a Foucault. Um dia, contudo, os três foram vistos juntos.  Era para apoiar, contra a morte, uma aventura sem fronteiras. (Georges Canguilhem)

Tendo por mote central a comemoração do cinquentenário de História da loucura na idade clássica, o Departamento de Filosofia e o Programa de Estudos Pós-graduados em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo propõem a realização do VII Colóquio Internacional Michel Foucault. O evento pretende dar continuidade a uma sequência regular de Colóquios, realizados em várias instituições (USP, UERJ, UNICAMP, UFRN, UERJ) e fazer da “celebração” desta obra já cinquentenária um instrumento de interrogação e de abertura às questões do presente.
A programação do evento está estruturada em conferências e comunicações. As conferências serão proferidas por professores convidados estrangeiros (Ècole Normale Superieure de Paris, Université de Bordeaux, Universidad Complutense de Madrid, Universidad de Buenos Aires, Universidad de Caracas, Universidad de Valparaíso e Universidade de Lisboa). As comunicações serão organizadas em mesas redondas com professores brasileiros de várias universidades do país, vinculados a diferentes áreas do conhecimento (Filosofia, História, Educação, Ciências Sociais, Psicologia, Direito), configurando assim a natureza interdisciplinar do evento.

domingo, 16 de outubro de 2011

Especial no Globo Ciência: Grandes nomes da Ciência: Michel Foucault

Abaixo os vídeos do especial do Globo Ciência de 17/09/2011 dedicado a Foucault:

Instituições sociais e controle - parte 1

Desafio: Estudantes montam um panóptico - parte 2

Projeto Papel Pinel - parte 3

sábado, 15 de outubro de 2011

Debate entre Noam Chomsky e Michel Foucault (1971)

Ocorrido na Escola Superior de Tecnologia de Eindhoven (Países-Baixos), em novembro de 1971. Avram Noam Chomsky (Filadélfia, 7 de dezembro de 1928) é um linguista, filósofo e ativista político estadunidense. Além da sua investigação e ensino no âmbito da linguística, Chomsky é também conhecido pelas suas posições políticas de esquerda e pela sua crítica da política externa dos Estados Unidos. Chomsky descreve-se como um socialista libertário, havendo quem o associe ao anarcossindicalismo.

Paul Michel Foucault foi um importante filósofo e professor da cátedra de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France desde 1970 a 1984. Todo o seu trabalho foi desenvolvido em uma arqueologia do saber filosófico, da experiência literária e da análise do discurso. Seu trabalho também se concentrou sobre a relação entre poder e governamentalidade, e das práticas de subjetivação.







segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O Filósofo Mascarado - Entrevista com Michel Foucault

Le Philosophe Masqué (entrevista de C. Delacampagne), em ‘Le Monde” n. 10945, de 6 de abril de 1980: “Le Monde-Dimanche”, pp. I e XVII.
Em janeiro de 1980, Christian Delacampagne decidiu pedir a Foucault uma longa entrevista para o suplemento dominical do “Le Monde”, dedicado principalmente aos debates culturais. Foucault aceitou imediatamente, mas apresentou uma condição de princípio: a entrevista deveria ficar anônima, o seu nome não deveria aparecer e importava eliminar todos os indícios que teriam permitido identificar a sua pessoa. Foucault justificou esta posição da seguinte maneira: a cena intelectual tornou-se presa da mídia, as ” estrelas ” prevalecem sobre as idéias, e o pensamento como tal acaba não sendo reconhecido; conseqüência disso é que aquilo que se diz conta menos do que a personalidade de quem fala. E também este tipo de crítica com relação à ” midiatização ” corre o risco de ser menosprezada, caso seja pronunciada por alguém que, sem querê-lo, já ocupa um lugar no sistema da mídia, como era o caso de Foucault. A fim de romper com semelhantes efeitos perversos e para tentar que fosse dita uma palavra que não pudesse ser aniquilada pelo fama do autor, convinha decidir-se a entrar no anonimato. A idéia agradou a Delacampagne. Acordaram que a entrevista fosse feita a um “filósofo mascarado”, isento de uma precisa identidade. Faltava convencer “Le Monde”, que queria uma entrevista com Foucault, a aceitar um texto de ” ninguém “. Foi difícil, mas Foucault mostrou-se inflexível. O segredo foi conservado até a morte de Foucault. Parece que bem poucos conseguiram descobri-lo.
Em seguida, “Le Monde” e a editora La Découverte concordaram em juntar em volume esta entrevista com outros textos do mesmo autor. Conforme acontece nestes casos, “Le Monde” decidiu unilateralmente revelar o verdadeiro nome do “filósofo mascarado”. O texto da entrevista cabe integralmente a Foucault, que elaborou inclusive as perguntas, junto com Delacampagne, e reescreveu com muito cuidado cada resposta.
Permita-me, em primeiro lugar, perguntar-lhe porque escolhe o anonimato.
Imagino que você conheça a história daqueles psicólogos que apresentaram breve filme numa localidade no coração da África profunda. Pedem aos espectadores que narrem a história da forma como a entenderam. Pois bem, de um drama com três personagens, só uma coisa os havia interessado: a passagem das sombras e das luzes através das árvores. Entre nós, os personagens ditam lei à percepção. Os olhos voltam-se preferivelmente para as figuras que vão e vêm, aparecem e desaparecem. Por que lhe sugeri de usar o anonimato? Por saudades do tempo em que eu era absolutamente desconhecido e, portanto, aquilo que dizia tinha alguma possibilidade de ser entendido. O contato imediato com o eventual leitor não sofria interferências. Os efeitos do livro refletiam-se em lugares imprevistos e desenhavam formas a que nunca havia pensado. O nome constitui uma facilitação. Gostaria de propor um jogo: o do ” ano sem nome “. Por um ano publicar-se-iam apenas livros sem o nome do autor. Os críticos deveriam haver-se com uma produção completamente anônima. Mas penso que, talvez, não teriam nada a dizer: todos os autores esperariam o ano sucessivo para publicarem os seus livros…
Você acredita que, hoje, os intelectuais falam demais? Que nos atrapalham com os seus discursos diante de qualquer mínimo pretexto e, muitas vezes, até mesmo sem pretexto algum?
A morte dos intelectuais parece-me um estranho conceito. Intelectuais, nunca os encontrei. Encontrei pessoas que escrevem romances e pessoas que curam os doentes. Pessoas que estudam economia e pessoas que compõem música eletrônica. Encontrei pessoas que ensinam, pessoas que pintam e pessoas de quem não entendi se faziam alguma coisa. Mas nunca encontrei intelectuais. Pelo contrário, encontrei muitas pessoas que falam do intelectual. E, por escutá-los tanto, construí para mim uma idéia de que tipo de animal se trata. Não é difícil, é o culpado. Culpado um pouco de tudo: de falar, de silenciar, de não fazer nada, de meter-se em tudo… Em suma, o intelectual é a matéria-prima a julgar, a condenar, a excluir… Não penso que os intelectuais falem demais, porque para mim não existem. Mas penso que o discurso sobre os intelectuais esteja passando do limite e seja pouco encorajador. Tenho uma feia mania. Quando as pessoas falam tanto por falar, quando fazem discursos que ficam no ar, procuro imaginar onde levariam as suas palavras se fossem transcritas na realidade. Quando “criticam” alguém, quando “denunciam” as suas idéias, quando “condenam” o que escreve, imagino-os numa situação ideal em que têm pleno poder sobre ele. Reproduzo as suas palavras no primeiro significado: ” demolir “, ” abater “, ” reduzir ao silêncio “, ” sepultar “. E vejo abrir-se a radiante cidade em que o intelectual certamente seria prisioneiro e enforcado, com maior razão se fosse um teórico. É verdade, não vivemos em uma região em que os intelectuais são mandados ao diabo; mas, na realidade, diga-me, por acaso ouviu falar de um certo Toni Negri? Por acaso não está na prisão exatamente enquanto intelectual?
Mas, então, o que o levou a entrincheirar-se atrás do anonimato? Um certo uso publicitário que, hoje, certos filósofos fazem ou permitem fazer do seu nome?
Isto não me perturba minimamente. Nos corredores do meu liceu vi grandes homens de gesso. E agora, nas primeiras páginas dos jornais, em baixo, vejo a foto do pensador. Não sei se a estética melhorou. A racionalidade econômica seguramente, sim… No fundo, impressiona-me profundamente uma carta escrita por Kant, quando já era muito velho: contra a idade, a visão que se reduzi e as idéias que se confundiam, apressava-se, assim narra, em terminar um livro para a feira do livro de Lípsia. Conto este episódio para demonstrar que não tem nenhuma importância. Publicidade ou não, feira ou não, o livro é coisa totalmente diferente. Nunca conseguirão levar-me a crer que um livro seja ruim porque se viu o seu autor à televisão. Mas nem sequer que seja bom só por este motivo. Se escolhi o anonimato, não é para criticar isso ou aquilo, o que nunca faço. É um jeito de dirigir-me mais diretamente ao eventual leitor, o único personagem que me interessa: ” já que não sabes quem sou, não sentirás a tentação de buscar os motivos pelos quais digo o que lês; deixa-te andar, diz simplesmente: é verdadeiro, é falso, gosto, não gosto. Isto basta “.
Mas o público não espera que a crítica forneça juízos precisos sobre o valor de uma obra?
Não sei se o público espera que o crítico julgue as obras ou os autores. Mas creio que os juízes já estavam aí antes que o público pudesse dizer o que queria. Parece que Courbet tinha um amigo que se acordava à noite urlando: ” julgar, quero julgar “. É incrível quanto as pessoas gostam de julgar. Julga-se em todo lugar, continuamente. Provavelmente, para a humanidade, é uma das coisas mais simples a fazer. Mas você sabe que o último homem, quando a última radiação houver reduzido o último adversário a cinzas, tomará uma mesa mal ajeitada, se sentará e começará o processo contra o responsável. Não posso deixar de pensar em uma crítica que não procure criticar, mas fazer existir uma obra, uma frase, uma idéia; acenderia fogos, olharia a grama crescer, escutaria o vento e imediatamente tomaria a espuma do mar para a dispersar. Reproduziria, ao invés de juízos, sinais de vida; invoca-los-ia, arranca-los-ia do seu sono. Quem sabe os inventaria? Tanto melhor, tanto melhor. A crítica sentenciosa faz-me adormentar; gostaria de uma crítica feita com centelhas de imaginação. Não seria soberana, nem vestida de vermelho. Traria consigo os raios de possíveis tempestades.
Há, porém, tantas coisas a conhecer, tantos trabalhos interessantes, que a mídia deveria falar todo o tempo de filosofia?
Certamente, entre a ” crítica ” e aqueles que escrevem livros, existe um mal-estar de longa data. Uns não se sentem entendidos e outros acreditam que se queira fazer pressão sobre eles. Mas o jogo é este. Parece-me que hoje a situação seja bastante particular. Temos instituições pobres, enquanto nos encontramos em situação de super-abundância. Todos deram-se conta da exaltação que freqüentemente acompanha a publicação (ou a reedição) de obras, que, aliás, às vezes são interessantes. Trata-se, sempre, de nada menos que a ” subversão de todos os códigos “, do ” antagonista da cultura contemporânea “, da ” discussão radical de todo o nosso modo de pensar “. O seu autor deve ser um marginal incompreendido. Em compensação, não há dúvida de que os outros devam ser remetidos à obscuridade da qual nunca deveriam ter saído; não eram senão a espuma de “uma moda irrelevante “, um simples produto institucional, etc. Diz-se que se trata de um fenômeno parisiense e superficial. Contudo, eu percebo aí os efeitos de uma inquietação profunda. O sentimento do ” nenhum lugar vazio “, ” ou ele ou eu “, ” um por vez “. Está-se em fila indiana, por causa da extrema exigüidade de lugares em que se pode escutar e fazer-se ouvir. Resulta daí uma espécie de angústia que irrompe em mil sintomas, mais ou menos curiosos. A partir disso, naqueles que escrevem, o sentimento da sua impotência diante da mídia, que é acusada de dominar o mundo dos livros e de dar existência ou de fazer desaparecer aqueles que agradam ou desagradam. A partir disso, nos críticos, o sentimento de conseguir fazer-se ouvir, a não ser que se levante o tom e se tire da cartola um coelho por semana. A partir disso, a pseudo-politização que mascara, sob a alegação da necessidade de mover uma ” batalha ideológica” ou de acabar com os ” pensamentos perigosos”, a ânsia profunda de não ser lidos nem ouvidos. A partir disso, também a fobia fantástica do poder: cada pessoa que escreve exerce um poder inquietante a que precisa-se pôr, se não um fim, pelo menos limites. A partir disso também a afirmação um pouco encantadora segundo a qual, atualmente, tudo é vazio, desolado, sem interesse e importância: afirmação que, evidentemente, provém daqueles que, não fazendo nada, pensam que os outros são supérfluos.
Mas não acredita que a nossa época é realmente sem espíritos à altura dos seus problemas e de grandes escritores?
Não, não acredito no refrão da decadência, da ausência de escritores, da esterilidade do pensamento, do horizonte negro e tétrico. Creio, pelo contrário, que há uma abundância excessiva. E que não sofremos por causa do vazio, mas porque os meios para pensar em tudo o que acontece sejam demasiado poucos. Há muitíssimas coisas a conhecer: fundamentais, terríveis, maravilhosas ou estranhas, ao mesmo tempo minúsculas e capitais. Além disso, há uma curiosidade imensa, uma necessidade, um desejo de conhecer. Sempre lamentamos que a mídia embote a cabeça das pessoas. Nesta idéia há alguma misantropia. Acredito, pelo contrário, que as pessoas reagem: quanto mais se procura convencê-las, mais se interrogam. O espírito não é uma cera mole. É uma substância reativa. E o desejo de saber mais, melhor e diversamente, cresce à medida que se procura encher as cabeças. Se isso for verdade e se acrescentarmos a isso que, na universidade e em outros lugares, se estão formando grandes quantidades de pessoas que podem servir de intermediários entre a massa de coisas e a avidez de saber, pode-se bem rapidamente deduzir que a desocupação dos estudantes é a coisa mais absurda que há. O problema consiste em multiplicar os canais, as passarelas, os meios de informação, as redes televisivas e as radiofônicas, os jornais. A curiosidade foi um vício estigmatizado sucessivamente pelo Cristianismo, pela filosofia e até por uma certa concepção da ciência. Curiosidade, futilidade. Mesmo assim, a palavra me agrada. Sugere-me algo bem diferente: evoca o ” cuidado “, a atenção que se presta ao que existe ou poderia existir; um sentido agudo do real que, porém, nunca se imobiliza diante disso; uma prontidão em julgar estranho e singular aquilo que nos circunda; uma certa obstinação em desfazer-se do que é familiar e em olhar as mesmas coisas de forma diferente; um ardor em colher o que acontece e aquilo que passa; uma desenvoltura com relação às hierarquias tradicionais entre o que é importante e o que é essencial. Sonho com uma nova idade da curiosidade. Os meios técnicos existem; o desejo existe; as coisas a conhecer são infinitas; as pessoas que podem empenhar-se nesta tarefa existem. De que então sofremos? De escassez: canais estreitos, exíguos, quase monopolistas, insuficientes. Não se trata de adotar atitude protecionista para impedir que uma “má” informação invada e sufoque a “boa”. Importa, pelo contrário, multiplicar os trajetos e as possibilidades de ir e vir. Nenhum colbertismo neste campo. O que não significa, como freqüentemente se teme, uniformização e nivelamento por baixo. Significa, sim, diferenciação e simultaneidade de redes diferentes.
Imagino que, neste plano, a mídia e as universidades poderiam ter funções complementares, ao invés de continuarem a opor-se.
Você lembra a admirável frase de Sylvain Lévy: o ensino comporta um ouvinte; basta haver dois que se torna vulgarização. Também os livros, a universidade, as revistas cultas são mídia. Dever-se-ia evitar chamar de mídia os canais de informação aos quais não se pode ou não se quer ter acesso. Importa entender como fazer que as diferenças ajam; saber se devemos instaurar uma zona reservada, um ” parque cultural” para as frágeis espécies dos cultos, ameaçados pelas grandes aves de rapina da informação, enquanto todo o resto do espaço seria um vasto mercado de bugigangas. Não me parece que semelhante repartição corresponda à realidade. Pior: não me parece de fato desejável. Para fazer que as diferenças úteis ajam não deve haver repartição alguma.
Procuremos fazer uma proposta concreta. Se tudo vai mal, por onde se pode começar?
Não, não vai tudo mal. Em todo caso, creio que não se deve confundir a crítica construtiva contra as coisas com as jeremiadas repetitivas contra as pessoas. Com relação a propostas concretas, elas aparecem como “gadgets”, se antes não forem precisados alguns princípios gerais. Este, em primeiro lugar: o direito ao saber não deve ser reservado nem a uma idade da vida, nem a certas categorias de indivíduos; se deve poder exercitá-lo ininterruptamente e de formas múltiplas.
Mas esta vontade de saber não é ambígua? Afinal, o que as pessoas farão com todo este saber que está adquirindo? A que pode servir?
Uma das funções principais do ensino consistia nisto: a formação do indivíduo caminhava no mesmo passo da determinação do seu lugar na sociedade. Hoje precisaríamos conceber o ensino de modo tal que permitisse ao indivíduo de se modificar a seu prazer; e isso é possível apenas sob a condição de que o ensino seja uma possibilidade oferecida “permanentemente”.
Em suma, você é a favor de uma sociedade culta?
Digo que a vinculação com a cultura deve ser contínua e a mais polimorfa possível. Não deveria haver, por um lado, uma formação que se sofre e, por outro, uma informação a que se é submetido.
O que acontecerá, em uma sociedade culta, com a filosofia eterna?… Ainda temos necessidade dela, das suas interrogações sem resposta e dos seus silêncios diante do incognoscível?
O que é a filosofia senão um modo de refletir, não tanto sobre aquilo que é verdadeiro e aquilo que é falso, mas sobre a nossa relação com a verdade? Às vezes a gente se lamenta por não existir na França uma filosofia dominante. Muito melhor. Não há nenhuma filosofia soberana, é verdade, mas há uma filosofia ou, melhor, há filosofia em atividade. A filosofia é o movimento pelo qual nos libertamos – com esforços, hesitações, sonhos e ilusões – daquilo que passa por verdadeiro, a fim de buscar outras regras do jogo. A filosofia é o deslocamento e a transformação das molduras de pensamento, a modificação dos valores estabelecidos, e todo o trabalho que se faz para pensar diversamente, para fazer diversamente, para tornar-se outro do que se é. Sob este ponto de vista, os últimos trinta anos foram um período de intensa atividade filosófica. A interferência entre a análise, a pesquisa, a crítica ” culta ” ou ” teórica ” e as mudanças no comportamento, a conduta real das pessoas, a sua maneira de ser, a sua relação consigo mesmas e com os outros, foi constante e considerável. Há pouco eu dizia que a filosofia é um modo de refletir sobre a nossa relação com a verdade. É preciso acrescentar: é um modo de perguntar-se: se esta é a relação que temos com a verdade, como devemos comportar-nos?
Creio que tenha sido feito e que se esteja continuando a fazer um trabalho considerável e múltiplo, que modifica, contemporaneamente, o nosso vínculo com a verdade e a nossa maneira de nos comportarmos. E isso em ligação complexa entre uma série de pesquisas e um conjunto de movimentos sociais. É a própria vida da filosofia. É compreensível que alguns lastimem o vazio atual e busquem, na ordem das idéias, um pouco de monarquia. Mas aqueles que, pelo menos uma vez na própria vida, provaram um tom novo, uma nova maneira de olhar, um outro modo de fazer, aqueles, creio, nunca sentirão a necessidade de se lamentar porque o mundo é um erro, a história está farta de inexistências; é tempo para que os outros fiquem calados, permitindo assim que não se ouça mais o som da reprovação por parte deles…
Michel Foucault
Archivio Foucault. Vol. 3. Estetica dell’esistenza, etica, politica. A cura di Alessandro Pandolfi. Milano, Feltrinelli, 1994, pp. 137-144. Tradução portuguesa de Selvino José Assmann. Florianópolis, setembro de 2000.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Ser ou não ser: as relações de poder

Viviane Mosé explica o pensamento do filófoso francês Michel Foucault sobre o poder. Para ele, o poder é sempre uma relação, e não é prerrogativa dos governos.


terça-feira, 4 de outubro de 2011

Michel Foucault, o precursor dos estudos sobre tecnologias de poder

Filósofo francês analisou instituições de controle como prisões e manicômios

Por Catarina Chagas e Bianca Encarnação* Pesquisa e texto

Michel Foucault  (Foto: Divulgação)Michel Foucault foi um dos gênios de seu tempo
(Foto: Reprodução de TV)
Michel Foucault nasceu em Poitiers, na França, em 15 de outubro de 1926. Autodidata e admirador da literatura, Foucault vivenciou a Segunda Guerra Mundial, o que aumentou ainda mais seu interesse pelas Ciências Humanas. Foi assim que, contrariando a tradição da família, formada por médicos, ele decidiu estudar Filosofia e Psicologia. Só não triunfou, no entanto, em sua primeira tentativa de entrar na École Normale Superieure (Escola Normal Superior) de Paris, mesmo lugar antes frequentado por Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e outros notáveis intelectuais. Conseguiu o feito no ano seguinte, quando tinha então 20 anos.

Já na Escola Normal Superior da França, Foucault teve aulas com Maurice Merleau-Ponty, o filósofo que contribuiu para o desenvolvimento da fenomenologia, o método de apreensão da essência absoluta das coisas. Apesar de sua inquietação por tudo o que passava a seu redor, Foucault tinha um temperamento fechado e angustiado. Em 1948, após uma tentativa de suicídio, iniciou um tratamento psiquiátrico. Em contato com a psicologia, a psiquiatria e a psicanálise, leu Platão, Hegel, Marx, Nietzsche, Husserl, Heidegger, Freud, Bachelard, Lacan e outros, aprofundando-se em Kant, embora não concordasse com a noção do sujeito como mediador e referência de todas as coisas, já que, para ele, o homem era produto das práticas discursivas.

Dois anos depois, formou-se em Filosofia na Universidade Sorbonne, com uma tese sobre Hegel orientada por Merleau-Ponty. Conseguiu também o diploma em Psicologia e, tempos depois, passou a ensinar na Escola Normal Superior. Entre seus alunos estavam Derrida e o arqueólogo Paul Veyne. Na mesma época, Foucault frequentou o Hospital Psiquiátrico de Saint-Anne, uma experiência que posteriormente seria fundamental para seus estudos sobre a loucura.

Com o interesse em Psicologia e Filosofia caminhando juntos, Foucault fez progresso nas duas áreas. Em Filosofia, na ocasião, aproximou-se de Nietzsche, por meio de Maurice Blanchot e Georges Bataille. Já no campo psicológico, concluiu seus estudos em Psicologia Experimental, estudando Piaget, Lacan e Freud. Na mesma época, seguiu ainda o famoso Seminário de Jacques Lacan, uma série de 26 publicações sobre a psicanálise.

O ambiente acadêmico lhe rendeu frutos: seu primeiro livro, "Doença Mental e Psicologia", veio dois anos depois, em 1954. Em 1955, mudou-se para Suécia, onde conheceu o historiador e antropólogo francês Georges Dumézil. O contato foi importante para a evolução do pensamento de Foucault. Outras de suas principais obras são “Vigiar e Punir”, um amplo estudo sobre a disciplina na sociedade moderna, e “História da Sexualidade”, um ambicioso projeto que deixou inacabado e que mostrava como a sociedade ocidental usa o sexo como instrumento de poder. A idéia era que fossem seis volumes, mas apenas três foram publicados: "A Vontade de Saber", publicado em 1976, “O Uso dos Prazeres” e “O Cuidado de Si”, de 1984.

Em 1961, Foucault defendeu na Universidade Sorbonne a tese de doutorado que originou sua segunda publicação, "A História da Loucura", que o consolidou na Filosofia. Na obra, Foucault enumera as razões que teriam levado, nos séculos XVII e XVIII, à marginalização daqueles que eram considerados desprovidos de capacidade racional. Ele também fez parte do conselho editorial da revista Critique (1963-1977), mas sem deixar o perfil docente. Em 1965, o filósofo esteve no Brasil para uma conferência a convite de Gerard Lebrun, seu aluno em 1954.

De 1970 a 1984, Foucault assumiu a cadeira de Jean Hyppolite na disciplina História dos Sistemas de Pensamento no Collége de France. Sua aula inaugural ficou famosa com o título "A Ordem do Discurso".

Foucault preferia ser chamado de "arqueólogo", pois se via dedicado à reconstituição do que mais profundo existe em uma cultura: um arqueólogo do silêncio imposto ao louco, da visão médica (“O Nascimento da Clínica”, 1963), das ciências humanas (“As Palavras e as Coisas”, 1966) e do saber em geral (“A Arqueologia do Saber”, 1969).
Em junho de 1984, aos 57 anos e em plena produção intelectual, Foucault morreu de complicações decorrentes da Aids. Em 2011, ele completaria 85 anos.

Documentário: A casa dos mortos


O Filme
Bubu é um poeta com doze internações em manicômios judiciários. Ele desafia o sentido dos hospitais-presídios, instituições híbridas que sentenciam a loucura à prisão perpétua. O poema A Casa dos Mortos foi escrito durante as filmagens do documentário e desvelou as mortes esquecidas dos manicômios judiciários. São três histórias em três atos de morte. Jaime, Antônio e Almerindo são homens anônimos, considerados perigosos para a vida social, cujo castigo será a tragédia do suicídio, o ciclo interminável de internações, ou a sobrevivência em prisão perpétua nas casas dos mortos. Bubu é o narrador de sua própria vida, mas também de seu destino de morte.

Ficha Técnica
Direção, Roteiro e Pesquisa Etnográfica
Debora Diniz
Direção de Produção e Produção de Campo
Fabiana Paranhos
Produção Executiva
Flávia Squinca e Sandra Costa
Imagens e Direção de Fotografia
Billa Franzoni
Edição, Áudio, Mixagem e Legendagem
João Neves
Direção de Arte
Ramon Navarro
Finalização
Ramon Abreu
Som Direto
Felipe De Simone e Eder “Long”
Decupagem e Transcrição
Jandher Ernane e Marina Falcão
Poesia
“A Casa dos Mortos”, de Bubu
Pesquisa de Campo e Assessoria Jurídica
Janaína Penalva
Assistentes de Produção
Ana América Gonçalves Silva e Mayara Araújo
Equipe de Produção
Andréa Sugai, Kátia Soares Braga, Lívia Barbosa e Malu Fontes

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Documentário: Foucault, por ele mesmo – Philippe Calderon


As teorias sobre o saber, o poder e o sujeito romperam com as concepções modernas destes termos, motivo pelo qual é considerado por certos autores, contrariando a própria opinião de si mesmo, um pós-moderno. Os primeiros trabalhos (História da Loucura, O Nascimento da Clínica, As Palavras e as Coisas, A Arqueologia do Saber) seguem uma linha estruturalista, o que não impede que seja considerado
Foucault trata principalmente do tema do poder, rompendo com as concepções clássicas deste termo. Para ele, o poder não pode ser localizado em uma instituição ou no Estado, o que tornaria impossível a “tomada de poder” proposta pelos marxistas. O poder não é considerado como algo que o indivíduo cede a um soberano (concepção contratual jurídico-política), mas sim como uma relação de forças. Ao ser relação, o poder está em todas as partes, uma pessoa está atravessada por relações de poder, não pode ser considerada independente delas. Para Foucault, o poder não somente reprime, mas também produz efeitos de verdade e saber, constituindo verdades, práticas e subjetividades.
No documentário, comentários do próprio Michel Foucault seguem imagens e citações de textos de várias de suas obras importantes, como História da Loucura e As Palavras e as Coisas. Fartas passagens de seus cursos no Collège de France são também divulgadas.

Foucault, por ele mesmo – Philippe Calderon

Ano de Lançamento: 2003
Duração: 62,5 minutos
País de Origem: França
Idioma do Áudio: Françês
Qualidade de Vídeo: VHS Rip
Tamanho: 699.3 MB (divididos em 8 partes)
Legendas: Pt-Br
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